segunda-feira, 20 de abril de 2020

MEU AVÔ CHICO DE RAMIRO

Meu avô Chico de Ramiro

Anselmo Oliveira

Era uma festa quando chegavam as férias. No meio do ano e no final.
As férias eram divididas em períodos na casa da minha avó paterna, professora Maura, em Capela, e em Nossa Senhora das Dores na casa da minha avó Toinha.
O mês de junho era animado pelas festas juninas, São João e São Pedro. Muito milho, bolo de fubá, canjica, pamonha, milho cozido e assado. Fogueira. Fogos. Brincadeira de rua.
Menino ainda, não ia ao forró para ariar a fivela, como diziam. Isso era coisa para os maiores.
Animado mesmo era o São Pedro em Capela. Tinha a saramandaia que é uma espécie de fuzarca onde um grupo tocando vai as casas das pessoas pedir presentes para pendurar no mastro no dia da queima da fogueira.
Mas isso conto outro dia.
Em Dores eu ficava na casa de minha avó Toinha, que era irmã de meu avô e foi quem criou minha mãe.
Meu avô era conhecido como “Chico de Ramiro”, eu não entendia, porque o nome dele era Francisco Correia dos Santos. Depois vim a saber que o Ramiro era o meu bisavô, o filho de português com a sua escrava. Aliás, Ramiro é um nome português conhecido desde o século XI, que significa “conselheiro ilustre”. Tinha uma pequena propriedade rural chamada “Vigia” onde criava gado de corte. Pequeno fazendeiro que vendia boi para os marchantes.
Lembro dele com a cara amarrada, de baixa estatura como a minha avó Toinha, branco, de olhos claros, um pouco sem pescoço. Era um homem de pouca conversa. Gozava do conceito de um homem correto nos negócios. Tinha um amigo que a época era o chefe político, sêo “Maneca do Poção”, esse, homem de posses, pai da procuradora de justiça de Sergipe, Isabel Abreu. Porém, o velho Chico não se envolvia com política.
O meu avô gostava mesmo era de mulher e de fazer filhos. Quando comecei a entender alguma coisa ele estava casado pela terceira ou quarta vez com dona Maria, e tinha enviuvado duas ou três vezes, e depois dessa também enviuvou. Filhos a granel.
Tinha os filhos dos casamentos e os filhos naturais, como se dizia, que somados passavam dos trinta, pelo que sei.
Eram tantos os tios, de diferentes idades, de diferentes biotipos, e muitos dos quais nem cheguei a conhecer.
Enquanto a minha avó Toinha morava na rua Dr. Edézio Vieira de Melo o meu avô Chico morava na rua Capela. Era bem perto. Porém, eu tinha um certo medo atávico do meu avô. Inconscientemente, e eu nem sabia ainda, ele não aprovou o casamento do meu pai com a minha mãe, filha natural dele. E por um motivo que me chocou mais pelo fato de minha mãe não ser branca, ela é morena, e o meu pai ser um mulato. Racismo?!
E nem podia. Ele mesmo era neto de uma escrava e filho de um mestiço.
Isso explica o meu medo atávico, que somente se dissipou quando ele doente e pobre, precisou ficar aos cuidados de minha mãe de meu pai em nossa casa humilde em Aracaju.
Meu avô ainda me viu ingressar na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Sergipe no primeiro vestibular prestado e inaugurado a ida de um seu primeiro descendente a possuir curso superior.
Ainda na Faculdade, ingressei aos 17 anos, fui prestar o serviço militar obrigatório justamente no ano em que se inaugurava o Núcleo de Preparação de Oficiais da Reserva do Exército no 28º Batalhão de Caçadores, e como estava na universidade e tinha sido aprovado na seleção, fui obrigado a servir, onde fui ao final declarado Aspirante a Oficial do Exército em 1978.
Não é que o meu avô me pediu para levar a farda e a espada até Nossa Senhora das Dores para me ver fardado? Com o coração apaziguado e o tendo perdoado, fui e paguei o mico de me fardar e sair com ele pelas ruas de Dores.
Ele tinha a maior satisfação. Pena que não me viu formar em Direito, ser advogado e depois ingressar na magistratura.
Com a sua forma de ser, ignorante e autêntico, mas honesto e fiel aos amigos, me ensinou que vale a pena ser honesto e generoso, pois ao final, se redimiu, e comprovou que o mundo dá muitas voltas.


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