quarta-feira, 15 de abril de 2020

MINHA AVÓ ANTÔNIA

MINHA AVÓ ANTÔNIA

Anselmo Oliveira[i]

 

O homem rude, de roupas gastas e chapéu de vaqueiro, chega à porta e pergunta:

- Dona Toinha está?

E lá da cozinha ouço a voz de tia Maria gritando: - Já vai.

Menino de 10 anos estava acostumado nas férias na casa da minha avó materna, na verdade, tia avó, irmã do meu avô que criou minha mãe. Não conheci a minha avó, mãe natural de minha mãe, tenho notícias que morreu de um parto. Falando em parto, minha avó Toinha era a parteira da cidade, rezadeira, benzedeira e muito conhecida.

A popularidade da minha avó conheci no dia em que a acompanhei à feira, feira de interior acontecia uma vez na semana, lá em Nossa Senhora das Dores acontece às segundas-feiras até hoje. Lá vou eu acompanhando o passo miúdo de minha avó. Ela era baixinha e gordinha, branca e de olhos meio claros, muitos anos depois a identifiquei com o biotipo da portuguesa. Entendi também que ela puxara ao avô materno dela e meu tataravô que era português, e tinha um pouco também da minha bisavó, Dona Aninha, filha de imigrante italiano.

A história da minha família pelo lado materno é muito interessante porque reflete um pouco a história da colonização brasileira.

A história que ouvi desde criança é que o meu tataravô era um senhor de engenho localizado em Siriri, de origem portuguesa, e que teria se apaixonado por uma sua escrava e que veio a parir um filho seu. Assim, a minha tataravó era a escrava do senhor do engenho. Esse filho, que vem a ser o meu bisavô, nasceu sob a lei do ventre livre. Nasceu livre, enquanto a mãe continuava escrava por conta dos caprichos do senhor do engenho.

Meu bisavô conheceu a filha de um mascate italiano e se casou com ela, essa é a minha bisavó dona Aninha. Eu a conheci. Pequena, branca como uma vela, e os olhos azuis parecendo duas contas, mesmo com a cegueira, permaneceram lindos. A cegueira não impedia de vovó “Ninha”, como a gente a chamava, conhecesse os bisnetos pela pisada. Morreu com mais de 100 anos de idade.

Voltando à feira de Nossa Senhora das Dores. Algumas ruas próximas ao centro da cidade eram tomadas por barracas de feirantes que vendiam de tudo, carne, peixe, arroz, farinha, feijão, frutas, legumes, roupas e acessórios, panelas, candeeiros (naquela época nem todo mundo tinha luz elétrica.

Minha avó Toinha seguia com seus passos miúdos por entre as barracas seguida por um garoto magro que segurava um carro de mão onde eram colocadas as compras. Eu ia observando que a todo momento chegava um rapaz ou uma moça e pedia a benção de minha avó chamando-a de “mãe Toinha”.

Fiquei intrigado. Não entendia. Será que minha avó tinha aqueles filhos todos? Seriam eles meus tios e nem os conhecia?

Santa inocência e ignorância. Descobri depois que os “filhos” e “filhas” de minha avó seriam as crianças que ela ajudou a nascer como parteira.

Na cidade só tinha um médico, Dr. Milton, que atendia também o município de Capela, aliás cidade onde nasci na casa da minha avó paterna, a professora Maura. Essa é outra história a ser contada.

Já adulto ouvi vários depoimentos de mães que minha avó ajudou a parir, algumas de gêmeos, e neles ouvi e senti o carinho por ela, e o respeito que tinha inclusive do Dr. Milton, a autoridade médica da cidade.

Essas memórias me ocorrem nesse tempo de isolamento social quando as relações se virtualizam, se “facebucam”, se “instagranizam-se”, e se “whatisapam”. Palavras novas, verbos novos. Tempos novos.

 

 

 



[i] Magistrado. Poeta e escritor. Membro da Academia Sergipana de Letras, da Academia Sergipana de Letras Jurídicas e da Academia Capelense de Letras.


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