quinta-feira, 30 de abril de 2020

MINHA AVÓ MAURA

MINHA AVÓ MAURA
Anselmo Oliveira

Capela, Rainha dos tabuleiros de Sergipe. Município cheio de vales e de planaltos de massapé. Um verdadeiro mar verde se estendia pela encosta dos vales e pelas terras mais altas. Tendo por origem uma pequena capela em terras de alto latifundiário que terminou por doar parte de suas terras e que vieram se transformar uma vila em cidade onde o ciclo da cana-de-açúcar fez prosperar muitas famílias que viviam dos seus pequenos engenhos.
Nasci a mais de 60 anos numa ruazinha cujo nome poético revelava as pequenas casas e chácaras que se enfileiravam por um caminho de terra batida com o charme das flores: roseiras, acácias, jasmins, crótons,  e se misturavam ao cheiro dos frutos das árvores em tempo de safra de cajus, mangas, jaboticabas, jamelões (que aqui chamamos de manjelões), goiabas, limões doces, entre outras. A rua das Flores não tinha água nem energia elétrica, embora a cidade já tivesse energia e água.
Os jumentos com suas ancoretas abasteciam as casas com água potável – era também atividade comercial para alguns proprietários desses animais. O fogão era a lenha e do lado da casa tinha um espaço dedicado a armazenar lenha que era entregue religiosamente pelo carreiro em seu carro de bois que avisava de longe com o seu chiado.
Lá ficava a casa da minha avó paterna, a professora Maura Alves de Oliveira. Era residência e a sua escola, que cuidava da alfabetização de quem podia pagar porque a escola primária só era acessível após os sete anos de idade.
Despertei para o mundo numa segunda-feira, as sete horas da manhã, pelas mãos de uma parteira, maternidade somente na Capital.
Meu pai, Alonso Batista de Oliveira, foi comemorar o nascimento do primogênito com os amigos, entre eles Ari do Proveito (Ari Cachaça) que estava a comemorar o nascimento no dia anterior do seu sobrinho Fernandinho do Proveito. A usina Proveito era uma das produtoras de açúcar da Capela. Foi quase um feriado o meu nascimento.
Na casa simples da minha avó, foi cuidado com carinho. Não tive literalmente um berço. Dormia numa rede. Coisa de índio.
Isso lembra as origens da minha avó Maura, cuja mãe e minha bisavó, dona Maria Francisca das Virgens, era descendente dos indígenas da região, não sei se da tribo Boimé ou Caxagó, que habitavam a região. Não a conheci, somente pelas histórias da minha avó e das lembranças de minha tia Rizalva, a mais velha dos filhos de minha avó e a única viva aos 94 anos.
O meu bisavô Camilo Servenario dos Santos, um mulato que se apaixonou por minha bisavó e com ela teve sete filhos, quatro homens e três mulheres, uma delas minha avó Maura. Era um homem trabalhador, pedreiro de profissão, conhecido de toda a sociedade capelense. Pobre, mas tinha sua casa própria e os seus filhos puderam estudar e aprenderam a ler e escrever.
Minha avó Maura casou-se com o meu avô João Batista de Oliveira, segundo minha tia Rizalva era branco e muito bonito, não conheceu os pais, foi criado por minha bisavó Joana, na verdade, Benvinda Pastora de Jesus, que tinha uma pequena propriedade no Povoado Lagoa Seca, a alguns quilômetros da sede do município, onde criava gado e mantinha uma agricultura de subsistência.
Meu avô paterno teve uma vida breve. Morreu aos 28 anos de febre amarela no início dos anos 30. Ele era comboeiro. Ou seja, naquele tempo não existiam estradas nem caminhões, as mercadorias eram transportadas em carros de bois e tropas de mulas. Meu avô tinha uma tropa de burros e com ela levava mercadorias para outras cidades, especialmente Maruim, que era no interior o centro de negócios, não é à toa que lá existiram vários estabelecimentos bancários locais e mercado atacadista de exportação e de importação.
Numa dessas viagens, ao retornar, num dia 02 de fevereiro, festa de Nossa Senhora da Purificação, padroeira da Capela, já estava doente e em três dias faleceu. Minha avó estava grávida do quarto filho que nasceu um mês depois, tio Joãozinho, que tinha o nome do pai, foi o primeiro a falecer. Lembro-me dele, era um cara bonitão, e minha avó dizia que era muito parecido com o meu avô.
Meu pai, tinha cerca de dois anos, e minha tia mais velha ia fazer quatro. Tio Bernardino, que vinha logo depois de tia Rizalva que era a mais velha, tinha três anos. E minha avó, apenas 28 anos, viúva e com quatro filhos para criar.
Minha avó tinha na época sua escola no Povoado Lagoa Seca e teve que voltar para a sede da cidade de Capela. Vendeu o sítio e se estabeleceu no centro urbano, e com o seu trabalho criou os quatro filhos, todos alfabetizados. Minha tia Rizalva, exímia costureira e professora, exerceu o magistério no Orfanato São José, no Colégio Imaculada Conceição, e na cidade de Carmópolis. Meu tio Bernardino aprendeu o ofício de alfaiate, e depois migrou para o Estado de São Paulo onde exerceu a sua arte fazendo os ternos de muita gente importante na sociedade paulista. Meu pai, ficou entre o estudo e aprender um ofício, e foi na “tenda” ou oficina de seu Teodomiro que começou a aprender a arte de polir e envernizar móveis e depois fabricá-los. Um artesão que conseguiu viver do seu ofício e criar a sua família.
Da Capela ainda tem muitas histórias a serem contadas. E contarei.






Nenhum comentário:

Postar um comentário